Quando um jogo como Fortnite, da Epic Games, está dentro do mundo dos negócios, é razoável de se imaginar que uma empresa irá agir como um organismo vivo lutando pela sua própria sobrevivência, buscando tomar decisões e atitudes que visam proteger os seus interesses.
No entanto, eventualmente as decisões que garantem benefícios a uma empresa podem ser vistas como um confronto direto por outras, estes conflitos podem ser resolvidos em instantes, mas em alguns casos podem representar uma revolução em um setor inteiro do mercado.
Agora, vai ser possível compreender como o conflito entre a Epic Games e a Apple começou e como essa guerra pode representar uma mudança para a Apple Store.
Tudo tem um começo
A guerra digital teve início na tarde da quinta-feira dia 13 de Agosto, por conta do Fortnite. Em uma ação ousada, a Epic Games, para trazer mais incentivo aos fãs, lançou o evento de promoção “Mega Drop”, que reduziu o custo dos V-Bucks, a moeda digital do jogo, em 20% permanentemente.
No entanto, nos dispositivos móveis, para receber o desconto, o usuário precisaria comprar diretamente com a produtora e esse foi o momento em que a Epic cruzou uma linha sensível para a Apple.
Isso porque, dentro da Apple Store, todo aplicativo que tenha o desejo de incluir um sistema de microtransações precisa aceitar um acordo em que a Apple Store irá receber uma taxa de 30% à Apple para cada transação efetuada em sua loja.
Quebra de Diretrizes
No entanto, a Epic Games descobriu uma maneira de “burlar” esta regra, lançando uma promoção com tempo indeterminado que os jogadores compravam diretamente com eles, o que violava diretamente as diretrizes da Apple Store que eles haviam concordado para estar ali. Em resposta, rapidamente o jogo Fortnite foi completamente removido da loja.
Por mais que essa seja uma atitude bem drástica, esse é um evento que já ocorreu diversas vezes dentro da plataforma, onde milhares de jogos e aplicativos, como o Comixology, que vende quadrinhos online, tiveram que se adequar, reimaginar ou remover completamente seus sistemas de microtransações para que pudessem permanecer disponíveis para os usuários de iOS.
Com a remoção do Fortnite, mais nenhuma pessoa poderá baixar o jogo pela Apple Store, que é a única maneira de fazer esse tipo de download dentro dos dispositivos da Apple.
Já os jogadores que possuem o aplicativo em seus celulares poderão permanecer com o jogo normalmente, mas eles também já estão com os dias contados, isso porque, quando a nova temporada ou uma atualização no Fortnite chegar, seus jogos ficarão obsoletos e inacessíveis permanentemente.
Em um comunicado oficial a Empresa Apple se pronunciou:
“Hoje, a Epic Games deu o passo infeliz de violar as diretrizes da App Store que são aplicadas igualmente a todos os desenvolvedores e projetadas para manter a loja segura para nossos usuários. Como resultado, seu aplicativo Fortnite foi removido da loja.
A Epic habilitou um recurso em seu aplicativo que não foi revisado ou aprovado pela Apple, e o fez com a intenção expressa de violar as diretrizes da App Store em relação aos pagamentos no aplicativo que se aplicam a todos os desenvolvedores que vendem produtos ou serviços digitais.
A Epic tem aplicativos na App Store há uma década e tem se beneficiado do ecossistema da App Store – incluindo suas ferramentas, testes e distribuição que a Apple fornece a todos os desenvolvedores.
A Epic concordou com os termos e diretrizes da App Store livremente e estamos felizes por terem construído um negócio tão bem-sucedido na App Store.
O fato de seus interesses comerciais agora os levarem a pressionar por um acordo especial não muda o fato de que essas diretrizes criam condições equitativas para todos os desenvolvedores e tornam a loja segura para todos os usuários.
Faremos todos os esforços para trabalhar com a Epic para resolver essas violações para que eles possam devolver o Fortnite à App Store”.
Declaração de Guerra
No entanto, ao contrário do que normalmente acontecia nessa situação, em que as empresas cederam completamente as exigências da Apple, a Epic decidiu tomar um caminho diferente e atacar de frente a gigante da Maçã, mostrando até que esse poderia até ter sido a sua intenção desde o início.
Para começar, a Epic deu início a uma campanha de difamação a Apple, apresentando como a empresa está agindo de maneira hipócrita usando um comercial que é uma paródia a um vídeo da própria Apple, de 1984, quando a empresa anunciava o seu computador Macintosh e criticava o monopólio da IBM nos computadores e hoje eles estão fazendo o mesmo com seus aplicativos.
Nele, a mensagem:
“Epic Games desafiou o monopólio da App Store. Em retaliação, a Apple está bloqueado Fortnite em um bilhão de dispositivos. Junte-se à luta para impedir que 2020 se torne ‘1984”.
Isso mostra que tudo não passou de uma estratégia muito bem coordenada para levantar o seu público e até mesmo outras empresas para a causa.
Já que essa provocação faz referência direta ao livro “1984”, do autor George Orwell, que falava sobre uma sociedade distópica, onde todos os aspectos de uma sociedade eram controlados em todos por uma grande entidade, o Grande Irmão.
Ironicamente, esta foi a mesma intenção da Apple com a sua campanha em 1984, comparando o monopólio da IBM ao Grande Irmão. Agora, a Epic utiliza a mesma simbologia para apontar as atitudes da Apple como monopólicas ao compará-la ao Grande Irmão.
O que reforça ainda mais o argumento a favor de sua acusação, é que a Epic não apenas infringiu as diretrizes da Apple Store no lançamento de sua promoção, mas infringiu também da Play Store da Google, que também removeu o aplicativo de sua plataforma de downloads.
No entanto, ao contrário da gigante da maçã, dentro dos aplicativos Android, a Play Store não é a única maneira de se ter acesso aos aplicativos, já que o formato de arquivo APK, pode ser baixado de qualquer lugar, colocado no dispositivo e instalado sem nenhum problema, uma vez que para serem instalados os próprios usuários precisam aceitar um termo de acordo de responsabilidade, com a mensagem:
“Seu telefone e dados pessoais são mais vulneráveis a ataques por aplicativos de fontes desconhecidas. Você concorda que é o único responsável por qualquer dano ao seu telefone ou perda de dados por consequência do uso destes aplicativos?”
Ao concordar, a Google fica completamente isenta de qualquer problema causado por downloads de aplicativos de terceiros. Em uma nota, a Google apresentou que “o ecossistema aberto do Android permite que os desenvolvedores distribuam aplicativos por meio de várias lojas de aplicativos.
Para desenvolvedores de jogos que optam por usar a Play Store, temos políticas consistentes que são justas para os desenvolvedores e mantêm a loja segura para os usuários.
Embora Fortnite permaneça disponível no Android, não podemos mais disponibilizá-lo no Play porque viola nossas políticas. No entanto, agradecemos a oportunidade de continuar nossas discussões com a Epic e trazer Fortnite de volta ao Google Play”.
Porém, apesar de ser mais branda, a gigante das buscas também não conseguiu escapar do ataque da Epic Games, que abriu uma ação judicial contra a Google acusando que as regras de pagamento presentes na Play Store também constituem um monopólio e é uma violação direta a Lei Sherman e Lei Cartwright da Califórnia.
Assim, a Epic confronta diretamente as duas empresas, mostrando que a sua intenção é forçá-las a ter que remover as taxas de microtransações presentes na Apple e Play Store.
Isso porque, mesmo que a Google não tenha banido o Fortnite do Android, eles ainda estão agindo como uma Polícia que oferece segurança apenas para quem lhes dá uma parcela de seus lucros, o que se torna ainda mais intenso para desenvolvedores menores.
Sendo que, ao fazer que os aplicativos que não queiram pagar a sua parte pela segurança da Play Store acabem sendo forçados a ter que aceitar o risco de serem utilizados por pessoas má intencionadas para atacar os aparelhos dos seus usuários.
Para trazer mais holofotes para o conflito, após tomar essa ação contra a Apple e a Google, a Epic jogou ainda mais lenha na fogueira, estimulando em suas redes sociais para que sejam espalhadas as hashtags #FreeFortinite (#LibereFortnite), além de ter criado um site oficial da campanha chamado Free Fornite.
Primeira batalha ganha!
No dia 25 de agosto a Epic Games conseguiu sair vitoriosa na briga contra a Apple, porém, para voltar a Play Store, é preciso enviar uma atualização onde somente o sistema de pagamento da gigante de Cupertino esteja disponível, algo que até o momento dessa postagem não aconteceu.
Conclusão
Desse modo, é claro de que essa briga está apenas para começar, porém, caso a Epic games saia vitoriosa nas disputas, é possível que ambas sejam obrigadas a abandonar as taxas dentro de suas plataformas, o que permitiria que a Epic pudesse permanecer com o seu método interno de pagamento.
Mas, os benefícios iriam realmente se estender por anos, já que isso iria representar mais liberdade e segurança para os desenvolvedores de aplicativo e diminuiria os custos para os usuários, o que resultaria na diminuição do poder que a Google e a Apple possuem nessa relação.
No entanto, algo apenas poderá ser consolidado após o encerramento da ação judicial, que irá determinar qual dos lados terá que ceder no final das contas.
Por hora, o Fornite continua inacessível na Apple Store e na Play Store, com a segunda permitindo o download por sites de terceiros, inclusive o próprio site oficial do Fortnite.
Assim, é seguro dizer que o jogo continua disponível para Android, além das suas versões de PS4, Xbox One, Switch, Pc, Mac, Epic Games Store e GeForce Now, que nem ao menos entraram na disputa.
Porém, ainda há um detalhe curioso e realmente triste para a gente, mas que está fora de todo o conflito. O problema é que, o preço de mil V-Bucks nos Estados Unidos era de US$ 9,99, o que aqui no Brasil, representava na época R$ 37,90.
Com a chegada da nova promoção, o valor em dólar foi reduzido para US$ 7,99, porém como a moeda recebeu uma atualização de câmbio, ela passou a utilizar a cotação atual do dólar, o que aqui no Brasil resultou em um valor superior a R$ 40,00, ou seja, essa “promoção” acaba de cair pra cima.