O que não falta na história do cinema são filmes com a tecnologia como escopo para estruturar suas histórias, quase sempre fantásticas. A ficção científica nas telonas usou e abusou dessa proposta (e continua a fazer isso) das mais variadas formas. Enquanto algumas produções têm o tema apenas como uma desculpa para as mais loucas pirações e previsões pouco embasadas, com o propósito único de entreter (e muitas vezes fazendo isso de forma muito bem sucedida, diga-se de passagem), outras acabam chamando a atenção pela postura mais ‘pé-no-chão’.
Os três filmes que separamos abaixo se destacam por serem obras que se aproximam da nossa realidade e da nossa condição humana ao apresentarem situações tecnológicas possíveis (algumas das quais inclusive já estão sendo desenvolvidas ou, no mínimo, vislumbradas por especialistas) ao mesmo tempo em que geram discussões filosóficas e existenciais interessantes sobre a humanidade e seus rumos para o futuro.
Mas atenção: este artigo não tem a intensão de se aprofundar nas discussões tecnológicas, mas apenas a de trazer a luz filmes interessantes, que abordam a tecnologia de uma forma um pouco mais realista, inteligente e reflexiva, sem deixar de combinar com um bom balde de pipoca, claro.
‘Ela’ (‘Her’, 2013)
O FILME
Theodore Twonbly (Joaquin Phoenix) é um homem solitário que está lidando com um traumático fim de relacionamento. Com dificuldades para se relacionar com pessoas reais, ele acaba se refugiando em atividades e interações cibernéticas, até que, eventualmente, acaba se apaixonando por um novo sistema operacional, que se mostra bem mais do que simplesmente interativo. Esse sistema tem nome (Samantha, voz de Scarlett Johansson), personalidade, senso de humor, sensibilidade e, aparentemente, um amor recíproco por Theodore.
A TECNOLOGIA
Uma interface humanizada capaz não só de interagir de forma automatizada com o usuário, como de substituir seres humanos em diversos aspectos, principalmente em uma sociedade onde as interações reais ficam cada dia menos ‘necessárias’. No filme do diretor Spike Jonze, que se passa em ‘um futuro próximo’ sem data definida, Samantha conversa com a naturalidade de um ser humano, ri, conta piadas, se preocupa, demonstra o que se pode chamar de sentimentos e até ‘faz sexo’.
Há especialistas que acreditam que algo muito próximo disso possa estar entre nós em menos de 20 anos. “Eu posicionaria a Samantha em 2029, quando o salto para um nível humano de inteligência virtual seria razoavelmente crível. Há algumas incongruências, no entanto”, diz Ray Kurzweil, um respeitado futurista que previu com bastante exatidão, nos anos 80, o que seria a internet atualmente (e que hoje é diretor de engenharia do Google).
‘O Homem Bicentenário’ (‘Bicentennial Man’, 1999)
O FILME
Baseado em uma história do grande escritor de ficção científica Isaac Asimov, ‘O Homem Bicentenário’ conta a trajetória e as angústias de Andrew (Robin Williams), um robô que foi projetado para ajudar nas tarefas domésticas, mas que acaba apresentando o ‘defeito’ de pensar por si mesmo, ter aspirações, personalidade, dúvidas e desejos próprios. Inicialmente de propriedade da família Martin, Andrew luta para ser reconhecido como indivíduo e poder trilhar o seu próprio caminho.
A TECNOLOGIA
Com liberdades poéticas à parte, são muitas as ideias palpáveis apresentadas em ‘O Homem Bicentenário’, mas as principais são a massificação dos robôs assistentes e a criação de órgãos artificiais que podem vir a substituir órgãos reais do corpo humano. Acredita-se que em um futuro não muito distante robôs fiquem de fato responsáveis por trabalhos pesados e de rotina, e que transplantes de órgãos artificiais, controlados eletronicamente, e implantes de próteses, assim como outros procedimentos cirúrgicos com o auxílio de nanorobôs, serão bem comuns.
Uma das barreiras no desenvolvimento de órgãos artificiais tem sido a complexidade dos micro vasos sanguíneos, sem os quais seria impossível manter as células vivas, porém, testes como os da Universidade da Pennsylvania, com tecidos dotados de vasos sanguíneos, por exemplo, já vem sendo desenvolvidos há alguns anos. Se (ou quando) essa tecnologia vingar, a expectativa de vida dos seres humanos será elevada consideravelmente (e talvez possamos até atingir os 200 anos de idade sem grandes problemas).
‘Ex Machina: Instinto Artificial’ (‘Ex Machina’, 2015)
O FILME
Caleb Smith (Domhall Gleeson) é um jovem programador que vence um concurso para passar uma semana na reclusa casa/laboratório de Nathan Bateman (Oscar Isaac), o gênio excêntrico dono da empresa onde trabalha. O intuito desse concurso é trazer um humano capacitado para testar a nova realização de Nathan, Ava (Alicia Vikander), uma robô dotada de uma surpreendente inteligência artificial. O teste é realizado, mas as consequências são assustadoras.
O universo de ‘Ex Machina’ é apresentado de forma extremamente crível. Nathan Bateman é um bilionário dono de uma empresa de tecnologia chamada Blue Book, formada a partir de um sistema de busca, numa clara referência às gigantes Google e Facebook. Isso, somado ao clima de futuro não muito distante, imediatamente nos conecta com aquela realidade.
A TECNOLOGIA
O que está mais próximo da nossa realidade em ‘Ex Machina’, no entanto, é a possibilidade de uma Inteligência Artificial se desenvolver de forma autônoma através da coleta e do cruzamento de dados, seja por meio da web ou de qualquer outro dispositivo, e acabar saindo do controle das mãos humanas.
Hoje, os testes com inteligências artificiais parecem se limitar aos computadores, como a última tentativa da Microsoft, que não deu muito certo e teve que ser deletada. Mas, em um futuro (não tão breve, é verdade) essas inteligências poderão ser incorporadas em uma carcaça com feições e expressões bastante humanas e com liberdade de locomoção. Cientistas importantes, como o físico Stephen Hawking, já fazem questão de alertar para a possibilidade das chamadas AI e para os prováveis perigos de seu desenvolvimento sem a devida responsabilidade.